Ainda é cedo

Ainda é cedo.
O ar está inundado por uma frescura gélida por onde desperta o dia, com uma luminosidade surreal, alaranjada, de nuvens de contornos suaves e doces.
Os sempre madrugadores melros andam num frenesim, o seu voar acelerado, furtivo e isolado, contrasta com o seu corpo de forma pesada, negra, por oposição aos ainda mais frenéticos e minúsculos pardais, que esvoaçam em grupos de caça, compactos, semelhantes a nuvens, enxames.
Hoje ainda se trabalha, ou assim parece, por isso se vê por aí o esvoaçar rente ao chão dos carros e dos pesados enlatados de gente, que parecem deslocar-se em lufadas, ás quais se segue, apesar de tudo, algum silêncio.
O dia ameaça-nos com a persistência do tom cinzento, mas para nós o cinzento é uma cor, como as demais, não sofremos de cromofilia, gostamos de todas por igual.
As cores desta alvorada não foram exactamente o prenúncio do que se seguiria, mas o dia permaneceu da mesma cor, quase monocromática, persistentemente de luz amena, pardacenta.
Com os pés a gritar pelo caminho, fiz-lhes a vontade e lá fui, com os Amigos de sempre, enquanto havia força e ânimo e água nos cantis.
O dia esteve bom, bem vistas as coisas, fresco, mas sobretudo seco, e ventoso.
Por um caminho novo, para nós, encontramos um trajecto antigo, para mais um local excelente, que todos deveriam visitar, pelo menos uma vez.
Lamentavelmente ou talvez nem por isso, o caminho foi mais extenso e demorado que a visita, mas ainda assim foi excelente.

Começou a chover pelo entardecer, ainda senti no rosto o toque suave das gotas da chuva, acariciando-me o rosto, tocando-me nos lábios, fazendo-me pestanejar.

O entardecer foi um céu carregado, e uma luz que se desvaneceu por aí fora, sem pressas e sem dizer nada.
Na pouca claridade que ficou, neste vale encaixado entre montes e montanhas, esvoaçam morcegos, grandes, perfeitos.

É noite, ainda no caminho, com cautela pela borda da estrada, até à geringonça mecânica que nos vai levar a casa, e ao conforto de um banho e um leite quente antes de dormir.