Wednesday, September 14, 2011

O voo do Homem-Bala



Ali pelas bandas do Natal
O Circo chega à cidade
Trás consigo a matéria de sonhos e de encanto
E também trás o Homem Bala

Eu gosto bastante do circo
E tenho admiração pelas suas gentes e pelas suas artes
Quando era garoto, mais pelo sonho e pelo deslumbramento
Hoje em dia mais pelas trapezistas e contorcionistas

Um dia, numa matinée igual as que a precederam
Enquanto se preparava
O Homem Bala arranjava o fato e os botins
Fato bem polido, justo ao corpo, com tiras de couro pintadas das cores do fogo cuspido pelo canhão
E botins com asas igualmente fogosas
Algo dentro de si lhe disse que não actuasse essa noite
Fingisse doença ou mal-estar
Fizesse tudo para não voar como habitualmente entre o fundo escuro do canhão e a rede que lhe amparava as quedas, atravessando o ar iluminado da ribalta.
Pensou ter sido alguma coisa que comeu, e que os gases lhe estariam a subir à cabeça e não ligou àquela voz que ouviu de dentro de si.
Talvez fosse um arroto.
Como sempre a multidão esperava-o extasiada, entusiasmada e aos gritos.
Como sempre o Homem-Bala subiu para o canhão ostentando o seu sorriso amarelo do tabaco e das chicletes, e acenando ao público que preparava olhos e ouvidos para vê-lo subir pelo ar envolto em fumo.
Como sempre o seu assistente preparou o canhão.
Desta vez preparou-o mal, pólvora a mais tem sempre um consequente impulso de valor energético diferente. Não ajustou o ângulo à polvora, nem o contrário.
A rede também foi verificada sem a minúcia habitual.
Nem o capacete estava bem firme no queixo do Homem-Bala.

Ao seu comando de voz a explosão deu-se.
Naquele instante o Homem-Bala a percebeu-se que algo não estaria mesmo nada bem.
Sai disparado envolto em fumo.
Fura a rede perdendo um pouco do impulso.
O pano da tenda tinha por ali uma zona um pouco mais gasta que cedeu sem provocar abrandamento.

(...)

O Comboio-Bala seguia a bom ritmo.
Entre dois goles de café o maquinista repara lá frente as luzes do circo que tinha visto montar há uns dias, quando fazia o percurso no sentido inverso.
O maquinista gostava do circo, ia lá ás vezes com os netos, que deliravam com o circo. Ele, por ele só queria ver os netos felizes, isso bastava-lhe.
Sem alarme, o maquinista sentiu o barulho seco de algo que se tinha atravessado na frente do comboio, talvez um pequeno animal, como de costume, um coelho ou um cão.
Mais de 800 quilómetros depois, conseguidos à velocidade estonteante de entre os 220 a 250 km/h, o comboio chia e estremece à chegada à estação central.
Pessoas gritam, gente que corre.
O maquinista chefe sai para ver o que se poderia estar a passar, e constata que nessa matinée, o Homem-Bala bateu o recorde do Mundo de velocidade e de distância.

Recebeu postumamente uma menção honrosa do Guiness Book dos Recordes.
E uma medalha de ouro do Comité Olímpico alguns meses depois.

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