Wednesday, February 07, 2007

Ai que eu morro!



Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele.
Grito de medo, chamo a mulher,
Ai Lurdes, que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os Miúdos, fecha a janela.
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se TU soubesses como me sinto,
Já vejo a morte, nunca te minto.
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos.
Vejo demónios nas suas Danças,
Tigres sem listras, bodes sem tranças,
Choros de coruja, risos de grilo,
Ai Lurdes, Lurdes, FICA comigo.
Não é o pingo duma torneira,
põe-me a santinha à cabeceira,
compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes, nem dás por nada!
Faz-me tisanas e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer.
Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer...


in "Sátira aos homens quando estão com gripe", da autoria de António Lobo Antunes

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