Cartas à Lai Lai
Cara Lai Lai,
Espero que esta minha te vá encontrar
de boa saúde e sã de espírito como nos habituaste já com as tuas crónicas.
Não creio que me vás levar a mal o
abuso de confiança de te tratar na 2ª pessoa do singular, pois sinto-me como te
conhecesse desde tenra idade, quiçá do berçário, não teremos porventura trocado
nós chuchas? Acho que sim, por acaso não tens uma fotografia de
corpo inteiro em cima da colcha da cama dos teus pais como vieste ao mundo? Eu mandava-te
uma minha, mas não tenho. Todavia mando-te uma de um puto muito giro, aqui da
minha vizinha Alzira que é muito parecido comigo quando eu era pequeno, vá-se
lá perceber porquê.
Deixa que me apresente, não vá dar-se
o caso de, mesmo com a foto, ainda que não seja minha, não te lembrares de mim.
O meu nome é Alcibiades, sou um jovem
de 57 anos, nascido, criado e a residir em Golfinhares de Baixo, desempregado
profissional há 15 anos, a subsistir no limiar da pobreza com uma miserável
ajuda do estado e três penhoras por desfalques, não fora a sopa e a côdea de
pão, por caridade de viúvas a quem faço uns biscates, não tinha sequer a pouca
saúde que tenho. Vivo num vão de escada, esta semana, mas quando me descobrirem
vou ter de mudar para outro.
Procuro em ti, minha cara Lai Lai, o
teu conselho, porque és pessoa esclarecida, sobre uma matéria que me perturba e
preocupa, e além disso me incomoda, que é a matéria dos doces, da pastelaria
fina, da pastelaria romeira, doçaria conventual, doces caseiros (incluindo
doçaria bimbiólica), da confeitaria no geral e da matéria dos bolos em
particular.
Padeço, se é que existe tal coisa a
não ser no meu delírio, de uma condição psiquiátrica pouco comum, que se
reflecte no meu dia-a-dia, perturbando-me de sobremaneira, causando-me grandes
trabalhos e sofrimento, trazendo-me também num permanente estado de
infelicidade, por ter um corpo inconforme, elefantino, porque ando de trombas (também),
mas sobretudo porque estou gordo.
Sofro de gula, confesso-me a custo,
sou um deglutidor de bolos, dependo dos açúcares, das massas finas ou grossas
ou folhadas, cremes, ou seja… eu é mais bolos. Verdade verdadinha, acredita Lai
Lai, perdição mesmo de loucura, se forem bolos com doces com ovos, ou só
ovos com açúcar, roubo-os nos galinheiros das vizinhas que tem quintal, quase mato
para os conseguir comer, sou sôfrego, alambuzo-me com pão de ló, papos de anjo,
maminhas de noviça, …
Mas isso não é nada de extraordinário
ou fora do vulgar, mas torna-se um problema de psiquiatria porque eu consigo
ouvir os bolos a chamarem por mim agarrados às montras das pastelarias. Gritam
comigo: come-me! Esfrega o meu creme em ti! Engole-me! Chupa-me!
Acho que já cheguei a um extremo, talvez extremista de mais, e
daí pedir-te ajuda, já me tenho prostituido por bolos. É verdade prostituo-me com as
vizinhas que querem abusar de mim, desde que me tragam caixas de bolos, já vendi
até o mais sagrado do meu corpo só pelo prazer de sentir os bolos a escorregar-me
nas beiças, e não me incomodam as gretas ou chagas no hemorroidal!.
Babo-me a escrever estas palavras tão
sacrilegiosamente doces, pelo que peço, me perdoes pela baba açucarada que vai
na carta, ora lambe a carta se estiveres com quebras de açúcar …
Tudo isto é muito esquisito, sinto que
dentro de mim habita um ser estranho, teria sido eu abusado por
extra-terrestres em pequenino, ou mesmo na semana passada (em que tive mais uma
crise de hemorroides)?
Preciso de ajuda. Uma palavra amiga,
um conselho, que me podes sugerir que faça eu? Como os bolos que o ser que
habita dentro de mim me pede, ou achas que o mate à fome, de bolos, e lhe dê
salgados, ou bolachas de água e sal e copos de água da torneira? Ou sopa de
nabiças, que ouvi dizer é uma coisa que faz bem.
Agradeço, penitenciado, que não
queimes a carta sem a leres até ao fim (ai … se calhar, devia ter escrito isto
no princípio, não?), e que promovas a iluminação esclarecedora destas minhas
dúvidas, que sei serem também de outros jovens como eu mas que por vergonha não
assumem o seu problema
Desespero com isto e sinto que
a solução poderá passar por me suicidar, é isso, suicidar-me com bolos, comer
até rebentar o fígado e os olhos me saírem das órbitas, e não me conseguir
sentar até a hemorroide se me rebentar nas cuecas, até fazer ligação directa ao
vaso sanitário.
Fico nesta ânsia da resposta.
Não assino porque a carta é anónima.
Eu
Labels: Lai Lai
1 Comments:
Não comento cartas anónimas. Detesto anónimos!
AL
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