Tuesday, June 14, 2016

Cartas à Lai Lai

 
 
Cara Lai Lai,
 
Espero que esta minha te vá encontrar de boa saúde e sã de espírito como nos habituaste já com as tuas crónicas.
 
Não creio que me vás levar a mal o abuso de confiança de te tratar na 2ª pessoa do singular, pois sinto-me como te conhecesse desde tenra idade, quiçá do berçário, não teremos porventura trocado nós chuchas? Acho que sim, por acaso não tens uma fotografia de corpo inteiro em cima da colcha da cama dos teus pais como vieste ao mundo? Eu mandava-te uma minha, mas não tenho. Todavia mando-te uma de um puto muito giro, aqui da minha vizinha Alzira que é muito parecido comigo quando eu era pequeno, vá-se lá perceber porquê.
Deixa que me apresente, não vá dar-se o caso de, mesmo com a foto, ainda que não seja minha, não te lembrares de mim. 
 
O meu nome é Alcibiades, sou um jovem de 57 anos, nascido, criado e a residir em Golfinhares de Baixo, desempregado profissional há 15 anos, a subsistir no limiar da pobreza com uma miserável ajuda do estado e três penhoras por desfalques, não fora a sopa e a côdea de pão, por caridade de viúvas a quem faço uns biscates, não tinha sequer a pouca saúde que tenho. Vivo num vão de escada, esta semana, mas quando me descobrirem vou ter de mudar para outro.
Procuro em ti, minha cara Lai Lai, o teu conselho, porque és pessoa esclarecida, sobre uma matéria que me perturba e preocupa, e além disso me incomoda, que é a matéria dos doces, da pastelaria fina, da pastelaria romeira, doçaria conventual, doces caseiros (incluindo doçaria bimbiólica), da confeitaria no geral e da matéria dos bolos em particular.
Padeço, se é que existe tal coisa a não ser no meu delírio, de uma condição psiquiátrica pouco comum, que se reflecte no meu dia-a-dia, perturbando-me de sobremaneira, causando-me grandes trabalhos e sofrimento, trazendo-me também num permanente estado de infelicidade, por ter um corpo inconforme, elefantino, porque ando de trombas (também), mas sobretudo porque estou gordo.
Sofro de gula, confesso-me a custo, sou um deglutidor de bolos, dependo dos açúcares, das massas finas ou grossas ou folhadas, cremes, ou seja… eu é mais bolos. Verdade verdadinha, acredita Lai Lai, perdição mesmo de loucura, se forem bolos com doces com ovos, ou só ovos com açúcar, roubo-os nos galinheiros das vizinhas que tem quintal, quase mato para os conseguir comer, sou sôfrego, alambuzo-me com pão de ló, papos de anjo, maminhas de noviça, …
Mas isso não é nada de extraordinário ou fora do vulgar, mas torna-se um problema de psiquiatria porque eu consigo ouvir os bolos a chamarem por mim agarrados às montras das pastelarias. Gritam comigo: come-me! Esfrega o meu creme em ti! Engole-me! Chupa-me!
 
Acho que já cheguei a um extremo, talvez extremista de mais, e daí pedir-te ajuda, já me tenho prostituido por bolos. É verdade prostituo-me com as vizinhas que querem abusar de mim, desde que me tragam caixas de bolos, já vendi até o mais sagrado do meu corpo só pelo prazer de sentir os bolos a escorregar-me nas beiças, e não me incomodam as gretas ou chagas no hemorroidal!.
Babo-me a escrever estas palavras tão sacrilegiosamente doces, pelo que peço, me perdoes pela baba açucarada que vai na carta, ora lambe a carta se estiveres com quebras de açúcar …
Tudo isto é muito esquisito, sinto que dentro de mim habita um ser estranho, teria sido eu abusado por extra-terrestres em pequenino, ou mesmo na semana passada (em que tive mais uma crise de hemorroides)?
 
Preciso de ajuda. Uma palavra amiga, um conselho, que me podes sugerir que faça eu? Como os bolos que o ser que habita dentro de mim me pede, ou achas que o mate à fome, de bolos, e lhe dê salgados, ou bolachas de água e sal e copos de água da torneira? Ou sopa de nabiças, que ouvi dizer é uma coisa que faz bem.
 
Agradeço, penitenciado, que não queimes a carta sem a leres até ao fim (ai … se calhar, devia ter escrito isto no princípio, não?), e que promovas a iluminação esclarecedora destas minhas dúvidas, que sei serem também de outros jovens como eu mas que por vergonha não assumem o seu problema
 
Desespero com isto e sinto que a solução poderá passar por me suicidar, é isso, suicidar-me com bolos, comer até rebentar o fígado e os olhos me saírem das órbitas, e não me conseguir sentar até a hemorroide se me rebentar nas cuecas, até fazer ligação directa ao vaso sanitário.
 
Fico nesta ânsia da resposta.
 
Não assino porque a carta é anónima.
 
Eu


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Saturday, May 21, 2016

Cartas à Lai Lai



Cara Lai Lai,

Pois que muito bem te encontre esta minha óscula, aquando apuseres as tuas órbitas celestiais em cima destas palavras.

Hoje venho rogar a tua atenção para a matéria estranha que se segue, toda ela, de uma maneira ou outra, estrambólica, não que eu te julgue inculta nas matérias insanas que se seguem já que, iluminada como és, és conhecedora de todas as matérias, mesmo aquelas que nós nem sabemos existirem.
Divago.

Pois fui eu, beber um pouco de cultura geral, assistindo a uma palestra de um senhor acerca da fenomenologia dos fenómenos estranhos o que, como se sabe é algo que acontece imenso no nosso pequeno e lusitano jardim, e não é exclusivo do Entroncamento, veja-se o caso de Gondomar, onde os porcos andam de trotinete, e as vacas atravessam a rua (quando não estão a conduzir o trânsito…).

Uma plateia cheia de gente com semblante de eruditos, e um orador com um ar de quem percebia imenso do que estava a dizer, ainda mais porque se citava a si próprio no seguimento do livro que tinha escrito.

Não tive a tirar notas, o que devia, já que a memória é fraca e a idade avança, mas assim ao correr da pena, há alguns que captaram a minha atenção.
O homem começou por falar de pedras, um tema que me é muito querido, já que sou um colecionador de seixos, de lavas, de granitos e de vidrite, e por isso os meus amigos até me arranjaram um apelido catita: calhau.
È que pelos vistos, há na nossa terra imensas pedras com formas estranhas, e desenhos gravados na pedra, e até uma linguagem escrita que, é anterior à linguagem escrita, o que não só  é estranho como assombroso! Mas eu cá não acredito muito, faz lembrar aqueles desenhos muito tortos de pretensos animais que se fazem no xisto, e que depois faz-se provar que são pré-históricos, mas que na realidade resultam de invenções de pastores com demasiadas horas de sol na moleirinha, e que já se encheram de andar a correr atrás das ovelhinhas para as caçar atrás das moitas (…).
Ao que parece, um cavaleiro de olhos em bico a apontar para oeste esculpido num único bloco de lava foi encontrado na ilha do Corvo aquando do povoamento dos Açores. Eu cá não acredito que tenham sido os chineses os primeiros a achar os Açores. Era o que mais me faltava! Assim como não acredito na história que os nazis conquistaram a península ibérica, só porque encontraram suásticas gravadas na citânia de Briteiros… Vá lá a gente saber em quem acreditar?

Mudando de assunto, o sr. mudou-se para o assunto das medicinas alternativas como a homeopatia, a halopatia, mas eu fiquei cá para mim com a impressão que o sr. tinha um problema patografico. Ah, e falou às páginas tantas na pomada milagrosa do Prof. Porciúnculo, que cura todos os males de pele. Acontece que o homem morreu e levou para a cova o segredo da pomada… E falou ainda do menino virtuoso de Torres Vedras. Ora, todos estes exemplos cheiram-me a patranha…

Ainda estava eu a assimilar isto, mudou-se o sr. de assunto para o assunto das experiências sobrenaturais, de vida para além da morte, de procissões de espectros, e até de um autocarro voador. Ora, toda a gente sabe que na vida para além da vida ninguém faz experiências, nem participam em procissões, assim como, toda a gente sabe, que autocarro voador é um avião de passageiros …  A única que eu acreditei assim mais ou menos, foi uma sessão espírita que ocorreu em 1882 e, invocando o espírito de D. Sebastião, este fez previsões mirabolantes para dali a uns anos. Eu acredito no D. Sebastião! E até já andei à procura no iutubo do vídeo, mas népia, curiosamente, só encontrei vídeos da Alzira fadista em topless… go figure!
O sr. disse também ter existido lá para as bandas de Paranhos, um lobisomem, coisa que é injusta, eu era de facto peludo quando nasci, mas não a esse ponto!

Já acredito mais, por exemplo, em prodígios celestes, mais pelos celestes que pelos prodígios, nomeadamente pelos fenómenos pastelaria-o-lógicos. Se não vejamos, em 1900, e a propósito de um eclipse, a Pastelaria Costa Moreira, apregoava nos jornais, «uma nova qualidade de pasteis», os Eclipses. Isso aí já apela ao meu sentido cosmológico, nomeadamente ao cosmos das pastelarias, constituindo-se em um fenómeno cosmológico, por exemplo, o eclipsamento dos éclaires… Embora também eclipse muito bem bolas de berlim, glórias e pasteis de nata…
Lá o sr. também referiu, ou disse, que quando passou por cá o cometa de Halley, toda a sorte de fenómenos estranhos estava previsto, mas acho que eram mais fenómenos de marketing para vender a banha da cobra, como é o caso do pó milagroso para proteger toda a gente dos gases cianídricos, letais para toda a humanidade. Ora tragam-me cá um bocadinho desse pó para testarmos o efeito dos meus gases de escape, que não sendo cianídricos, são mais do género metanóides, muito que são eficazes para derrubar a espécie humana.

Mas a que eu gostei mais foi a parte das invasões marcianas. Sabias que já fomos invadidos duas vezes? … fora as que a gente não sabe! Ou seja, isto foi tudo encoberto, para que ninguém saiba! Pois vê lá tu que estas invasões apocalípticas,  foram testemunhadas por milhares de pessoas e não é que ninguém se lembra de nada? ENCOBRIRAM TUDO! Os homenzinhos verdes de marte vivem no meio de nós e ninguém deu ainda conta disto!!!

Como diria o meu Tio António: A CALMA REINA EM TODO O PAÍS.

Do teu,

Eu

P.S. - Crónicas Marcianas , anyone?

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