Monday, August 01, 2016

Curtinha

Já aqui vim há algum tempo atrás, em busca, não da Arca da Aliança, qual Indiana Jones, mas antes na busca de um local onde o confeccionamento de umas boas Tripas à Moda do Porto fossem, pelo menos, razoáveis.
Tanto me falaram neste sítio que acabei por cá vir e disse para mim próprio que queria repetir apenas e só porque, por um lado não tinha percebido bem à primeira se as tripas eram boas, e também se o são sempre, e também porque, queria apreender melhor o local e o ambiente, daí também este regresso.
Quando entrei, fiquei com a ideia de ter transposto uma porta para outra dimensão, como se ali houvesse um rasgo no tecido do espaço-tempo, e coloquei-me a observar, estupefacto, mas
sempre alerta, com a mão no gatilho do meu enferrujado palaçoulo (se não morrem do corte certeiro, morrem de tétano), não fossem aparecer os Daleks, ... ah, espera, isso é no Dr. Who, e eu, por acaso, não sou o Dr. Who...
Divago, deve ser do calor...

Bom, entrei num local arranjado, há alguns anos, não muitos, renovado, mas ainda se encontram alguns laivos do que outrora foi, ou terá sido, mais tasqueiro e soturno, talvez. Curiosamente, por fora, ninguém se apercebe do que isto é, nem dizeres ou reclames, ou outros indícios denunciadores de que, lá dentro, seja um restaurante.
Quando se entra, tira-se um bocado da pinta do local pela clientela, e daí a passagem para uma certa "twillight zone", fiquei estupefacto e  boquiaberto: só velhos! Parecia um lar de terceira idade!!
Sítio ideal para mim portanto, já que há quem se refira a mim como velhote, antepassado, ou relíquia, e como ando muitas vezes à rasca das costas, vergado com o "golpe de velha", passo completamente despercebido no meio daquela espécie de fauna geriátrica...
As mesas onde nos sentamos acomodam várias pessoas seis para ser exacto, pelo que são comunitárias, e não é incomum portanto partilhar a mesa com alguns quantos, digamos, vizinhos, O que aliás tem alguma graça, para quem viva fora do facebook, e por isso no convívio com pessoas reais que não jogam o pokemon go, e tem graça, pelo menos, até ao momento em que algum destes jovens desdentados e com cabelo ralo meta conversa sobre futebol, política, os medicamenteos que andam a tomar, as artrozes e próteses diversas, algáleas ou saquinhos de urina, ou sobre os nétinhos. Pior mesmo só me ocorre uma, terrível já vos aviso, um dos velhinhos espirrar e a placa sair a voar para o meu prato, e sendo bom observador vou reparar no verdete, nas incrustações de cascas de feijão, e nos ocasionais retalhos de restos de sopa de nabiças do dia anterior.
Como se não bastasse o cheiro a naftalina!

Quinta-feira é dia de feira semanal, o que quer dizer que muita desta gente veio aqui de propósito já que, num concelho desta extensão é normal o fenómeno de se meterem na carreira de manhã cedo para vir à vila, à feira, logo arranjam-se todos quase como se fossem à missa dominical, para uma certa ostentação que contrasta por certo com as gretas nas mãos, os sapatos e calças cheios de terra/lama, o cheiro a galinhas entranhado no corpo, penteiam-se até para vir à cidade embora, nem todos os homens vão ao barbeiro, já que é um luxo, a reforma mal dá para os medicamentos,
Para muitos equivale ao passeio de domingo em família que eu, privilegiado, fazia todos os domingos, com direito a almoço no restaurante, com a regueifa ainda quente, o cabrito, o pudim e o Sumol de laranja. É o único luxo que alguns deles tem, e se calhar, nem todas  as semanas...

Quanto ao que vim aqui fazer: comer umas tripinhas...
O arroz é bom, seco e saboroso, as tripas também. Para espanto meu, tem pedacinhos de batata (nalguns sítios é assim). Carnes cortadinhas miudinhas, parece-me bem, quase só tripas, que são boas, só comi folhinhos, limpinhas e com bom sabor.
Perigo: possibilidade de encontrar ocasionais pedacinhos de osso, de quando em vez.

Gostei.

Boa referência.




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