Tuesday, December 25, 2007

Esquece...

Esquece – um conto de Natal Ou, uma reflexão parva acerca dos conteúdos das mensagens de natal e do sentido de oportunidade de certas pessoas bem intensionadas…


É noite de Natal.
À roda da mesa, reúne-se a família para a costumeira consoada, de bacalhau, da Noruega, batatas couves e cenouras da terra da avó, um tinto de estalo, e todos os acepipes a que têm direito.
À mesa pouco mais se consegue ouvir do que a música tocada pelos instrumentos musicais da refeição, os talheres, a louça e os copos, por entre um coro desalinhado de vozes que entoa a letra da canção da mastigação e da deglutição.
A meio de uma valente garfada, em que o patriarca desta família leva á boca, umas quantas lascas deste sublime bacalhau de cura amarela, encharcadas no mais puro azeite virgem, um som electrónico dispara na sala de jantar o mais sepulcral dos silêncios.
Sem perder o fio á meada do que estava a fazer, o patriarca leva a garfada á boca, e inicia a degustação, mastigação e deglutição, deste seu fiel amigo, enquanto que mete a mão á algibeira á procura do telemóvel.
Trata-se evidentemente de uma mensagem, por certo mais uma de muitas mensagens trocadas por alguém que resolveu escrever neste dia a lembrar a ocasião, a desejar o que de melhor há no Mundo, mas que, por certo, por excesso de tráfego na rede, chegou atrasada no tempo, e só agora, desta forma inoportuna, com toda a família de volta do fiel amigo, é que chegou. Sim, nem toda a gente manda mensagens enquanto consoa, só mesmo alguém que bate mal.
Abriu a mensagem, leu-a, e os seus olhos esbugalharam-se ao mesmo tempo que uma espinha estupidamente pequena ou grande lhe atravessava as goelas, de par a par.

Nunca ninguém soube se a espinha era grande ou pequena, ou virtual, ou fosse lá o que fosse. A verdade é que o patriarca caiu abaixo da cadeira, e ali ficou, gelado e hirto, com uma tonalidade amarelada, já cadáver, como o bacalhau que estavam a comer, e que não chegaram a acabar.

A mensagem, pois, esse é que foi o cerne da questão ou, neste caso, a verdadeira espinha da questão:

«Esquece o passado, porque já passou,
esquece o futuro, porque não és bruxo,
e esquece o presente, porque não comprei…
»