Thursday, January 27, 2022

Cartas a António

 



Amigo António,


Hoje lembrei-me de te escrever.

Na verdade, foste tu que te lembras-te, já que a tua última missiva,  que me escreveste, deixou-me a matutar.

Preocupa-me o matutar, não tenho hábito disso e tenho medo de escorregar em algum pensamento e partir as lunetes.

A tua missiva, que recebi com apreço carinhoso e muita estima pela tua pessoa, foi curta e grossa e, ainda que me atires uma pedra, merecida, lembra-te que não sou o único com telhados de vidro.  Pois se não vejamos por exemplo, o telhado de vidro dos que escrevem e os que tem a mania que escrevem, os escritores e os fanfarrões, inscrevendo-me eu nos segundos e tu nos primeiros.

Quando dizes, e me incluis nos que escrevem e afirmas a pés juntos e convictos: «Nós temos conhecimento e sensibilidade que não devem ser desperdiçados. Ainda não nos rendemos à rápida superficialidade.» lamento que tenha de discordar e mesmo até objectar em consciência.

Sensibilidade não tenho, muito menos para a escrita, ainda que fosse capaz de fazer algo parecido com as «listas de lavandaria de Metterling», nunca seria capaz de extrapolar do seu conteúdo um output psiquiátrico da personagem, como também não conseguiria igualmente extrapoligrafar o que quer que fosse acerca da sua psique apartir do arco que descrevem as meias que acabou de tirar dos pés e atirar para o cesto, de vime, da roupa suja.

Mais acrescento que já não me lembro muito bem o caminho que queria que estas palavras seguissem, e a idiota ideia que pretendia transmitir, já que a idade avança para a frente e, a capacidade de concentração avança para trás.

Por isso, o que te estimo é o que te desejo, e vai-me dando tu notícias da frente onde te encontras que quando cá chegar a tua próxima missiva pode ser que eu me lembre o que queria dizer ou, talvez não.

Boa continuação!

Do teu

Gumersindo Adalberto