Sunday, October 16, 2011

O Contrabandista - a Fronteira [pré-episódio 2]

A fronteira por ali serpenteava.

Na verdade quem serpenteava era o regato que separava os países, numa linha de fronteira ondulante. Ficava a meio e no fundo, uma autêntica e garganta funda que separava ambas as linhas de montanhas, as «Jurêlhas de Cristo». De cada lado, nos tempos aureos, quando a fronteira era uma coisa levada à séria, a guarda de ambos os lados percorria os caminhos altos de onde vigiava e atirava sobre os candongueiros que apanhassem na candonga ou a dar o salto. Parecia as barracas de tiro aos patos ou, se quisermos transportar para os tempos de agora, seria equiparável a um “sniper alley” onde ninguém ou nada estão a salvo do olhar certeiro e das armas de grande alcance e mira óptica.

Ninguém sabia muito bem o porquê daquele nome, pois Cristo nunca por ali tinha passado, e aqueles montes não faziam lembrar as orelhas de ninguém, muito menos as de Cristo que, como é óbvio, seriam perfeitas. Também ninguém sabia ao certo o que queria dizer a palavra “Jurêlhas”, muito menos a sua forma antiga, “Zurêlhas”.

Por aqui se fez também história, neste vale encaixado, onde nem Júlio César escapou a ser apedrejado, naquela que foi provavelmente a primeira intifada de que há registo histórico. Aquele vale foi escolhido para progredir para Sul nesta parte da Ibéria. Os habitantes locais acabaram por conseguir fustigar as Legiões, armadas até aos dentes, que fizeram com que o Velho Júlio decidisse entrar mais a Oeste, numa terra a que chamaram Aquae Flaviae. Aproveitaram para aí descançar, porque isto de ser apedrejado não é para qualquer um, e foram a banhos, nas águas sulfurosas das termas flavienses.