Friday, April 13, 2012

o Contrabandista - Episódio 69+1

Que será aquilo? -- pensou quando regressava a casa do Café do Joca, depois de tomar uma boa dose de tinto e de se abastecer de sandes de presunto e de um quartilho, para a viagem. Até não tinha bebido muito mas, pensou, já estava a ver coisas fora do lugar, como por exemplo estava agora mesmo a ver uma tipa que mais fazia lembrar um salpicão, vestida que estava com uns quantos casacos grossos, e uma boa dúzia de sacos nas mãos, plantada à porta de sua casa.
- Boa noite. Que quer daqui?
- o Sr. É o Sr. Manel?
- Você é da Guarda?
- Não, sou de Viseu, mas o Sr. afinal é o Sr. Manel ou não? Não estou para perder tempo.
- Ai… Que esta trampa já me estar a cheirar mal … E que tem lá você a ver com isso?
Chamava-se Inês e tinham-lhe dito para vir ter com ele, para dar o salto para França, o que depois de um bocado de conversa e negociação acedeu. Ia sair mesmo agora e ela que fosse lesta de pernas que ele não estava para carregar ninguém às costas.
Logo durante o princípio do caminho, e perante as repetidas esquivadelas a honrar o compromisso monetário, ainda ameaçou de a abandonar à sua sorte no meio do monte, mas ela, por entre as promessas de pagamento, mostrou-lhe em que moeda é que podiam ir fazendo já uns abatimentos à conta corrente. Assim foi, ele lá acabou por ir aceitando aquilo, por montes e vales de caminho, ainda não tinham chegado à linha fronteira já tinha ela efectuado 23 prestações do pagamento, sendo que ela insistia sempre e ele, para não parecer malcriado, ia fazendo o jeito à rapariga, não fosse ela aborrecer-se.
A mula é que já estava a ficar farta, e já parecia suspirar a cada paragem técnica, lá pensou que o motor da miúda estava gripado e que o pobre tinha de lhe repor os níveis de cinco em cinco quilómetros.
Ainda faltavam 4 horas para o sol começar a raiar quando se viram pela última vez, ela seguindo trôpega, já sem os casacos e sem parte dos sacos que trazia nas mãos. E ele, lá foi tocando a mula até à gasolineira para o reabastecimento.
Acabou por adormecer já no regresso, junto a umas bosque de giestas, pois a noite tinha sido extenuante, começando a perceber que já não era tão novo como se julgava ser.
A mula também agradeceu o descanso.
Acordou já com o sol a marcar o meio-dia. Doía-lhe o estômago. À mula não, tinha quase comido as giestas todas ali à volta.
Espreguiçou-se, comeu a sandes de presunto que lhe tinha sobrado, bebeu uma mão cheia de água da ribeira e pôs os pés ao caminho.



Passados dois ou três meses, um dia qualquer ao chegar a casa depois de ter deixado as vacas no pasto, o carteiro entrega-lhe um pacote vindo de França, ou da Bélgica, não percebeu muito bem.
Que estranho, nunca ninguém me escreve… ainda para mais de um país estrangeiro, pensou. Era de França e da Inês, a depreender da leitura do recado que vinha escrito no interior, onde agradecia muito a ajuda em levá-la para Espanha, tinha feito o resto do caminho à boleia, e que estava a trabalhar com familiares, etc, … e bem disfarçado no pacote, notas de banco, em pagamento pelo serviço. Quinhentos Francos!
Não lhe adiantou de nada, nem as notas lhe aqueceram nas mãos, a mãe apanhou-lhe a carta, o pacote e o dinheiro.

Suspirou desalentado e pensou: bem, ao menos comi a gaja.